Batendo Branco
sexta-feira, setembro 08, 2006
  Roubada das arábias!



As horas passam e a aeromoça joga mais sanduíches no meu colo enquanto eu fico batendo com a cabeça na bandeja para passar o tempo no vôo do Turbo(bota eufemismo nisso) Hélice. Entre uma pancada e outra eu tenho o pensamento transcedental mais comum a todo jornalista em trabalho de campo: “O que diabos eu estou fazendo aqui?”

Por que eu não estou em casa ou correndo atras de um emprego público mais tranqüilo bebendo cafezinho o dia todo? Por que eu vou ter que passar a próxima semana sem dormir? A primeira resposta talvez não esteja na ponta da lingua, mas com certeza está bem clara na cabeça: Grana.

Pode parecer estranho para muitas pessoas, mas jornalistas também precisam comprar comida (leia-se cigarro, café ou outra porcaria. No meu caso quadrinhos) de vez em quando além de alimentar algum sonho financeiro muito distante e inalcansável.

Mas não pode ser só isso.

Com raras exceções o jornalismo, mesmo que internacional, não é o melhor caminho para aqueles que querem dormir tranqüilos sem pensar em contas atrasadas e agiotas querendo quebrar as suas pernas. Se fosse somente pelo dinheiro era melhor ter estudado de verdade em um curso de direito ou economia ao invés de ter ficado bundiando por cinco anos durante o curso mais moleza da terra, também conhecido como “comunicação social”.

Existe também uma segunda razão, essa muito mais efêmera e nem sempre presente, mas que é um empurrão necessário em momentos difíceis do jornalista. Quando os tais agiotas estão quebrando a sua perna uma voz ecoa na mente jornalística perguntando: “Hmmm, será que existe um curso para ser agiota? Como eles ficam sabendo onde você mora? Que mamata eles estão financiando?”

A curiosidade é um remédio maravilhoso contra essa doença chamada de “bom senso” que tantas pessoas normais prezam por aí.

Para aqueles que trabalham para agências ou são freelancers desgarrados o Cliente é um outro fator essêncial na busca por roubadas jornalísticas. Nesse meu caso o cliente tem uma aura ainda mais especial por ser tratar da “misteriosa” Al-Jazeera International.

Espera um pouco! Mas não era Al-Qaeda?

Para a grande maioria das pessoas nesse pedaço do planeta quando você fala Al-Jazeera surge a seguinte imagem:

........................................

Absolutamente nada.

Para o resto a Al-Jazeera, ou TV-Bin Laden, é uma fábrica de propaganda terrorista pronta para destruir tudo que é sagrado, belo ou fofinho na iluminada civilização ocidental. Seus responsáveis sem escrúpulos têm a audácia de transmitir vídeos com mensagens nem um pouco engraçadas do Mr. Bin, além do extremo mal gosto de mostrar pessoas mortas nas guerras do oriente médio, coisa que todo americano sabe que não existe em um campo de batalha.
É claro que sempre podemos contar com aqueles representante da fina nata da intelectualidade intelectual de coisas sapientes. Para esses a Al-Jazeera é simplesmente a “Fox News” do Oriente Médio.

Mas o que é realmente a Al-Jazeera?

A rede de televisão Al-Jazeera foi criada em 1996 em um país com a metado do tamanho do estado do Sergipe interessado em diversificar seus investimentos ou simplesmente achar algo em que gastar todos aqueles petro-dólares. Diz a lenda que o nascimento da maior rede de televisão do mundo islâmico só foi possível graças a um filme pornô francês. A historinha publicada na revista “Salon” é mais ou menos essa:

Quando a rede foi ao ar 1996 somente aqueles que tinham grana sobrando para comprar uma parabólica gigantesca podiam assistir ao canal. Para aumentar seu público seria necessário usar outra frequência de transmissão, mas o único espaço disponível no satélite saudita já estava ocupado pela rede Canal France Internacional.









Somente um milagre divino poderia salvar a jovem rede de uma morte prematura e Alah veio ao resgate na forma de 30 minutos de “Club Privee Portugal”. O que ocorreu foi que algum infeliz muito entediando na sala de controle da Canal France acabou transmitido para os lares de milhares de mulçumanos “As aventuras sexuais de Emanuelle e Manuel” (ou alguma coisa parecida).




Os franceses foram prontamente catapultados para longe das frequëncias árabes e assim a Al-jazeera conseguiu o espaço de transmissão que tanto precisava.

Hoje a rede é vista diariamente por aproximadamente 50 milhões de Árabes e Judeus, Shiitas e Sunitas.

O mundo todo passou a saber da existência do logo dourado da Al-Jazeera durante o famigerado 11 de setembro, quando imagens do mais novo vilão da história foram transmitidas em seus canais. As vozes na Casa-branca e os Neo-Cons (nome bacaninha para novos velhos conservadores) abriram suas baterias contra a rede do Qatar, transformando-a em sinônimo de terrorismo.

Mas o mundo dá muitas voltas e piruetas.

Da mesma maneira com que o secretário de estado americano Donald Rumsfeld visitava seu amigo e aliado Saddam Hussein nos anos 80, durante todos os anos 90 a Al-Jazeera foi condecorada por Bush e amigos como o bastião da democracia. E não é por menos. Por várias vezes a rede foi tirada do ar ou sofreu sérias represálias por não ter papas na língua na hora de mostrar o lado corrupto e antiquado das teocracias árabes. Não era raro a exibição de longas reportagens sobre abuso de direitos humanos no mundo árabe e depoimentos de pessoas comuns contra seus governos locais. Entre seus programas sensacionalistas, a Al-jazeera discutia a importancia dos direitos das mulheres e a necessidade de mudanças políticas na região. Claro que em questões como a Palestina o lado em que a rede se colocava era óbvio. Palavras como “mártires” são comuns, mas é isso que você tem quando se cria uma tv feita por árabes para árabes longe da sempre ridicularizada rede americana de propaganda no oriente médio chamada Al Hurra.

Onde é que eu entro nessa história? Eu sou uma mistureba de um monte de coisas, mas com certeza não sou árabe. A culpa de eu estar recebendo petro-dólares é de um novo e ambiciosos projeto para uma rede de notícias em língua inglesa chamado Al-Jazeera....INTERNATIONAL. Esse novo canal pretende ser muito mais do que uma versão dublada da rede do Qatar e para isso eles estão montando escritórios por todo o continente americano. A idéia é ser uma alternativa aos monstros colossais da CNN e da BBC e dar um enfoque maior na sempre ignorada América do Sul.

Então é mais ou menos assim que um Latrino Americano sem dinheiro no bolso cai nessa mais nova e emocionante roubada.

Para conhecer melhor a história da Al-Jazeera eu recomendjo assistir ao documentário control room

Mas se você continua achando que isso tudo que eu escrevi é balela pra boi zebu dormir e que Al-Sei-lá-o-que é coisa de terrorista barbudo com toalha na cabeça, pode sentar sossegado e assistir a rede que você imaginou nesse link aí de baixo.

e para todos os amiguinhos: Death to America.
 
terça-feira, agosto 22, 2006
  A história ilustrada de uma notícia
Antes de mais nada: "Bater Branco" é a primeira coisa que se faz antes de se filmar. O câmera foca em algum objeto branco (blusa decotada da estagiária, folha nojenta que achei na bolsa, etc) e aperta um botão que ajusta o nível do branco naquele momento. Depois disso tudo pode acontecer...

O que fazer em um vôo, ou melhor, vários vôos do Rio de Janeiro até a progressiva cidade de Santarém no Pará onde terei que produzir uma matéria para a rede Al-Jazeera? Ora, são apenas umas 12 horas com a bunda quadrada e cinco escalas em cada aeroportozinho que o piloto conseguir achar entre Brasília e Belém. Depois de enfiar goela abaixo o quinto sanduiche oferecido no Turbo-Hélice da Total linhas aéreas que eu tive a idéia megalomaníaca de criar um blog sobre:

COMO É FEITA UMA MATÉRIA PARA TELEVISÃO INTERNACIONAL



Ou “as estapafúrdicas viagens de um produtor freela no Brasil” ou “Que droga eu estou fazendo nesse avião!

Antes de mais nada acho melhor me apresentar e contar como eu fui trabalhar como produtor.

Meu nome é Gabriel Brasil e eu sou meio pirralho pra essa profissão. Tenho 23 anos, mas eu já trabalho como produtor internacional para redes como Associated Press, ABC, BBC (e agora a Al-Jazeera) desde os 20. Na verdade eu tenho vivido no meio do telejornalismo internacional desde antes de nascer. Minha mãe cobriu a copa da Espanha grávida de 7 meses para a UPITN (eu acho) e eu nasci logo depois. Pelo menos é melhor do que a minha irmã que foi carregada na barriga da mesma minha mãe para Goiânia, durante a contaminação de Césio 137 em 87. A gente diz que a minha irmã brilha de noite, o que não é verdade....ela só é meio esquisita mesmo...Eu as vezes chamo ela de “Césinha”.

Meu pai conheceu a minha mãe quando ele ainda era câmera da Globo nos anos 70 “Eu trabalhei no Fantástico 0!” e a minha mãe era bailarina clássica. Depois ela seguiu o caminho lógico da carreira e se tornou correspondente de guerra e meu pai agora é professor de telejornalismo.

Sim, podem começar a apontar o dedo. Meus pais são jornalistas e isso facilitou muito um pirralho como eu ser produtor para redes de TV internacionais. Em minha defesa eu digo que dá muito trabalho não fazer merda nesse trabalho e até hoje eu me imagino com um nível muito baixo de mancadas. Nada que um pouco de experiência e muita cara de pau não resolva. O que leva para o seguinte tópico: O que é um produtor?

Produtor é um resolvedor de pepinos profissionais; Uma mistura explosiva entre jornalista, office boy, tradutor, secretária e peão de obra. O produtor faz uma matéria acontecer, rala muito e nunca aparece na TV. Se for para agências de notícia então, esses daí, como meus pais, nunca vão poder apresentar o Big Brother Brasil.

No início meu trabalho era não atrapalhar os meus pais enquanto eles estavam trabalhando, o que podia ser a qualquer momento, em qualquer dia, seja natal, ano novo ou aniversário. Não raro eu e minha irmã comemorávamos aniversário em qualquer momento do ano, isso se a tia do presidente não aparecesse pelada no plenário ou uma embaixada fosse explodida em algum lugar. Logo era minha função não cobrar horários dos meus pais ou fazer alguma coisa muito idiota enquanto eles estivessem fora.
Para poder ficar mais perto deles e de cara descolar uma graninha eu passei a ajudar carregando equipamento pesado (e bota peso nisso!) e sendo assistente de câmera. Depois foram os serviços de office boy e guia turístico para os jornalistas estrangeiros que estivessem trabalhando com eles. Com o tempo eu aprendi a importância da cara de pau e eu subi nível por nível até já ser chamado diretamente para produzir uma matéria sozinho. Hoje, como um produtor eu tenho o privilégio de fazer tudo o que eu já fazia e mais um monte de coisa. Tudo ao mesmo tempo. É como fazer uma entrevista assobiando e chupando cana ao mesmo tempo sem estragar o audio.

E essa foi boa parte do caminho entre a minha concepção e o quinto sanduíche do meu interminável voo até Santarém cobrir o desmatamento da amazônia para a Al-jazeera international.

A seguir. Um incrível diagrama cheio de desenhozinhos “bunitinhos” para todo mundo ver como uma notícia vira uma notícia internacional!

COMO NASCE UMA NOTÍCIA INTERNACIONAL – for dummies

1- Acontece alguma coisa
Pode parecer óbvio, mas se não acontecer nada não existe notícia. Se fosse assim só daria Suécia nos telejornais.
É claro que sempre se pode criar uma notícia ou transformar alguma coisa totalmente desinteressante em notícia. Isso se chama “gancho”. Por exemplo. Um índio leva um tiro em Cafundós do Judas (sem querer ofender nenhum morador de CJ). Isso acontece dia sim e dia sim pelo Brasil e ninguém dá bola. O gancho é que os índios são de reservas que estão sendo exploradas por fazendeiros para plantar soja para o mercado internacional. Pronto. Já temos o “internacional” da notícia internacional.



2- Alguém fica sabendo
Não adianta nada alguma coisa incrível acontecer aqui no Brasil se ninguém ficar sabendo lá fora. Para isso existem agências de notícia que ficam o dia todo inundando o mundo com notícias das mais panaquinhas até as mais panaconas. Com sorte alguém de uma emissora internacional ou até mesmo de uma agência decide que essa notícia poder dar audiência. A proposta vai de mão em mão, do Foreign Desk até algum chefe que diz “Hmmm talvez....dependendo do custo”









3- Quanto Custa
Um jornalista produtor local é contactado para saber mais detalhes da notícia e se ela ainda é notícia. Ninguém quer mandar uma equipe do outro lado do planeta pra cobrir um jogo que já acabou.
O produtor faz uma prévia de quanta grana vai custar a operação toda. Essa é a hora que o diretor estrangeiro vai decidir o valor dessa notícia. “Indio leva tiro” com certeza vale um pouco mais do que “Pobre leva tiro”, mas não chega aos pés de “Tom Cruise dá um tiro no próprio pé”.







4- Produzindo
Dado o sinal verde o produtor local tem que deixar tudo pronto para a chegada da equipe, que geralmente chega em cima da hora. Isso significa uma corrida contra o tempo em busca de coisas como: os protagonistas da matéria, acomodação da equipe, burocracices alfandegarias, voos locais (inférno!), aluguel de carro, comida, entrevistas, pesquisa histórica, equipe local (caso necessário), hotel caro caso o reporter seja estrela e muita muita conta de telefone.
Para mim essa é a parte mais estressante do trabalho de produtor e rende muito menos assunto de festinha do que ficar no mato ou levar tiro em favela.




5- Chega a equipe
Finalmente a equipe chega. Isso geralmente é entre um mês até uma semana depois que o produtor foi contactado pela primeira vez. Pode acontecer de pedirem para produzir uma matéria pro dia seguinte. Daí é respirar fundo e cobrar mais caro.
A equipe básica geralmente consiste de: 1 Câmera, 1 Repórter/produtor e o produtor local.
Eu já trabalhei com equipes mais robustas que tinham um exército com: 3 câmeras, um técnico de audio, um iluminador, um repórter estrela, um produtor estrangeira, um diretor e eu como produtor local/tradutor/babysitter/barman (eles gostaram da minha caipirinha).





















Continua no próximo capítulo!

Todas as fotos e desenhos são de autoria de Gabriel Brasil
 
Produção jornalística com um monte de figurinhas. Afinal televisão é imagem.

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