Batendo Branco
terça-feira, agosto 22, 2006
  A história ilustrada de uma notícia
Antes de mais nada: "Bater Branco" é a primeira coisa que se faz antes de se filmar. O câmera foca em algum objeto branco (blusa decotada da estagiária, folha nojenta que achei na bolsa, etc) e aperta um botão que ajusta o nível do branco naquele momento. Depois disso tudo pode acontecer...

O que fazer em um vôo, ou melhor, vários vôos do Rio de Janeiro até a progressiva cidade de Santarém no Pará onde terei que produzir uma matéria para a rede Al-Jazeera? Ora, são apenas umas 12 horas com a bunda quadrada e cinco escalas em cada aeroportozinho que o piloto conseguir achar entre Brasília e Belém. Depois de enfiar goela abaixo o quinto sanduiche oferecido no Turbo-Hélice da Total linhas aéreas que eu tive a idéia megalomaníaca de criar um blog sobre:

COMO É FEITA UMA MATÉRIA PARA TELEVISÃO INTERNACIONAL



Ou “as estapafúrdicas viagens de um produtor freela no Brasil” ou “Que droga eu estou fazendo nesse avião!

Antes de mais nada acho melhor me apresentar e contar como eu fui trabalhar como produtor.

Meu nome é Gabriel Brasil e eu sou meio pirralho pra essa profissão. Tenho 23 anos, mas eu já trabalho como produtor internacional para redes como Associated Press, ABC, BBC (e agora a Al-Jazeera) desde os 20. Na verdade eu tenho vivido no meio do telejornalismo internacional desde antes de nascer. Minha mãe cobriu a copa da Espanha grávida de 7 meses para a UPITN (eu acho) e eu nasci logo depois. Pelo menos é melhor do que a minha irmã que foi carregada na barriga da mesma minha mãe para Goiânia, durante a contaminação de Césio 137 em 87. A gente diz que a minha irmã brilha de noite, o que não é verdade....ela só é meio esquisita mesmo...Eu as vezes chamo ela de “Césinha”.

Meu pai conheceu a minha mãe quando ele ainda era câmera da Globo nos anos 70 “Eu trabalhei no Fantástico 0!” e a minha mãe era bailarina clássica. Depois ela seguiu o caminho lógico da carreira e se tornou correspondente de guerra e meu pai agora é professor de telejornalismo.

Sim, podem começar a apontar o dedo. Meus pais são jornalistas e isso facilitou muito um pirralho como eu ser produtor para redes de TV internacionais. Em minha defesa eu digo que dá muito trabalho não fazer merda nesse trabalho e até hoje eu me imagino com um nível muito baixo de mancadas. Nada que um pouco de experiência e muita cara de pau não resolva. O que leva para o seguinte tópico: O que é um produtor?

Produtor é um resolvedor de pepinos profissionais; Uma mistura explosiva entre jornalista, office boy, tradutor, secretária e peão de obra. O produtor faz uma matéria acontecer, rala muito e nunca aparece na TV. Se for para agências de notícia então, esses daí, como meus pais, nunca vão poder apresentar o Big Brother Brasil.

No início meu trabalho era não atrapalhar os meus pais enquanto eles estavam trabalhando, o que podia ser a qualquer momento, em qualquer dia, seja natal, ano novo ou aniversário. Não raro eu e minha irmã comemorávamos aniversário em qualquer momento do ano, isso se a tia do presidente não aparecesse pelada no plenário ou uma embaixada fosse explodida em algum lugar. Logo era minha função não cobrar horários dos meus pais ou fazer alguma coisa muito idiota enquanto eles estivessem fora.
Para poder ficar mais perto deles e de cara descolar uma graninha eu passei a ajudar carregando equipamento pesado (e bota peso nisso!) e sendo assistente de câmera. Depois foram os serviços de office boy e guia turístico para os jornalistas estrangeiros que estivessem trabalhando com eles. Com o tempo eu aprendi a importância da cara de pau e eu subi nível por nível até já ser chamado diretamente para produzir uma matéria sozinho. Hoje, como um produtor eu tenho o privilégio de fazer tudo o que eu já fazia e mais um monte de coisa. Tudo ao mesmo tempo. É como fazer uma entrevista assobiando e chupando cana ao mesmo tempo sem estragar o audio.

E essa foi boa parte do caminho entre a minha concepção e o quinto sanduíche do meu interminável voo até Santarém cobrir o desmatamento da amazônia para a Al-jazeera international.

A seguir. Um incrível diagrama cheio de desenhozinhos “bunitinhos” para todo mundo ver como uma notícia vira uma notícia internacional!

COMO NASCE UMA NOTÍCIA INTERNACIONAL – for dummies

1- Acontece alguma coisa
Pode parecer óbvio, mas se não acontecer nada não existe notícia. Se fosse assim só daria Suécia nos telejornais.
É claro que sempre se pode criar uma notícia ou transformar alguma coisa totalmente desinteressante em notícia. Isso se chama “gancho”. Por exemplo. Um índio leva um tiro em Cafundós do Judas (sem querer ofender nenhum morador de CJ). Isso acontece dia sim e dia sim pelo Brasil e ninguém dá bola. O gancho é que os índios são de reservas que estão sendo exploradas por fazendeiros para plantar soja para o mercado internacional. Pronto. Já temos o “internacional” da notícia internacional.



2- Alguém fica sabendo
Não adianta nada alguma coisa incrível acontecer aqui no Brasil se ninguém ficar sabendo lá fora. Para isso existem agências de notícia que ficam o dia todo inundando o mundo com notícias das mais panaquinhas até as mais panaconas. Com sorte alguém de uma emissora internacional ou até mesmo de uma agência decide que essa notícia poder dar audiência. A proposta vai de mão em mão, do Foreign Desk até algum chefe que diz “Hmmm talvez....dependendo do custo”









3- Quanto Custa
Um jornalista produtor local é contactado para saber mais detalhes da notícia e se ela ainda é notícia. Ninguém quer mandar uma equipe do outro lado do planeta pra cobrir um jogo que já acabou.
O produtor faz uma prévia de quanta grana vai custar a operação toda. Essa é a hora que o diretor estrangeiro vai decidir o valor dessa notícia. “Indio leva tiro” com certeza vale um pouco mais do que “Pobre leva tiro”, mas não chega aos pés de “Tom Cruise dá um tiro no próprio pé”.







4- Produzindo
Dado o sinal verde o produtor local tem que deixar tudo pronto para a chegada da equipe, que geralmente chega em cima da hora. Isso significa uma corrida contra o tempo em busca de coisas como: os protagonistas da matéria, acomodação da equipe, burocracices alfandegarias, voos locais (inférno!), aluguel de carro, comida, entrevistas, pesquisa histórica, equipe local (caso necessário), hotel caro caso o reporter seja estrela e muita muita conta de telefone.
Para mim essa é a parte mais estressante do trabalho de produtor e rende muito menos assunto de festinha do que ficar no mato ou levar tiro em favela.




5- Chega a equipe
Finalmente a equipe chega. Isso geralmente é entre um mês até uma semana depois que o produtor foi contactado pela primeira vez. Pode acontecer de pedirem para produzir uma matéria pro dia seguinte. Daí é respirar fundo e cobrar mais caro.
A equipe básica geralmente consiste de: 1 Câmera, 1 Repórter/produtor e o produtor local.
Eu já trabalhei com equipes mais robustas que tinham um exército com: 3 câmeras, um técnico de audio, um iluminador, um repórter estrela, um produtor estrangeira, um diretor e eu como produtor local/tradutor/babysitter/barman (eles gostaram da minha caipirinha).





















Continua no próximo capítulo!

Todas as fotos e desenhos são de autoria de Gabriel Brasil
 
Produção jornalística com um monte de figurinhas. Afinal televisão é imagem.

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Localização: Rio de Janeiro, RJ, Brazil
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